terça-feira, 11 de maio de 2010

Primeira Contemplação da Arte e sua Inexatidão

O Lobo do Mar e o Pequeno Príncipe conduzem-nos em inquietantes viagens pela contraposição entre Ciência e Experîencia, Razão e Instinto, Viver e Morrer.

De um lado, O Pequeno Príncipe remete-nos ao entusiasmo e estranhamento de um ser em busca de todo conhecimento e vivência possíveis de serem percebidos por alguém, para realizar sua ascese à aceitação da missão, de modo a abraçá-la com amor e total entrega.

De outro, Lobo Larsen e Humpfrey nos angustiam e inquietam ante o contundente confronto entre a força bruta que a vida tem quando precisa salvar a si mesma e o racional apelo pela mantença dos valores de civilidade e humanidade que dão sentido a essa existência.

Na maresia dessas viagens, permiti-mo-nos, por um instante, indaganar-nos, juntamente com o curioso Principezinho, quem são os moradores da Terra. Seria a referência aos “reis negros” apenas uma manifestação de discriminação racista sem justificativa ou seria a utilização de uma metáfora (não menos influenciada por preconceitos seculares) dos muitos governadores maus que habitavam nosso planeta no momento histórico em que se produzia a obra?

Permita-mo-nos também refletir sobre que figuras estão representadas sob o ícone do Bêbado, o viciado que bebe para esquecer a vergonha de beber, sem resolver os problemas ou melhorar de qualquer modo a realidade da qual tem consciência que vive?

Eis que, nesse momento, algo na outra margem dessa viagem nos atrai a atenção como um espelho invertido: que mensagem nos traz ao coração a brutalidade solitária de Larsen, que conscientemente vive em degradante situação no alto mar, sem mudar sua situação apesar de ter conhecimento dela?

Indaga-mo-nos, pois, sobre o que motiva a mudança e a caminhada na vida das pessoas. Quem nos move é o sonho ou a esperança? Sonhos esperançosos ou a esperança de ter realizados nossos sonhos? E mais, em noites frias e úmidas, sob o peso da solidão, do descaso, da imundice, da fome e da dor, onde encontrar sonho e esperança que nos mova?

A viagem na margem do inexperiente Príncipe se mostra como cheia de esperança e entusiasmo, numa doce aceitação do destino por mais triste que ele possa afigurar aos espectadores, rumo a um final feliz eterno. A viagem na margem de Larsen e de Humpfrey desde o início se opõe a crença em qualquer tipo de eternidade metafísica, se mostrando como totalmente descrente de tudo aquilo não materialmente perceptível aos sentidos humanos, estabelecendo sua busca na imediata satisfação das necessidades biológicas do ser humano.

Nossa viagem em busca do que nos move e nos traz essa eterna felicidade continua para o próximo mês, sem pretender encontrarmos tão já as respostas para essas perguntas suscitadas, mas animados e revigorados pela partilha da inquietação e da dúvida.

Eis mais um mês de contemplação da arte e sua inexatidão.


30.04.2010

Suzany Brasil

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